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Pentecostes

Pentecostes

Pentecostes é o mistério que constitui o batismo da Igreja, é um acontecimento que lhe conferiu a forma inicial e o estímulo para a sua missão. E esta “forma” e este “estímulo” são sempre válidos, sempre atuais, e renovam-se de modo particular mediante as ações litúrgicas.

Nesta ocasião, quero meditar sobre um aspecto essencial do mistério de Pentecostes, que nos nossos dias conserva toda a sua importância. Pentecostes é a festa da união, da compreensão e da comunhão humana. Podemos constatar como no nosso mundo, mesmo se estamos cada vez mais próximos uns dos outros com o progresso dos meios de comunicação, e as distâncias geográficas parecem desaparecer, a compreensão e a comunhão entre as pessoas muitas vezes é superficial e difícil. Permanecem desequilíbrios que com frequência levam a conflitos; o diálogo entre as gerações torna-se difícil e por vezes prevalece a divisão; assistimos a fatos cotidianos nos quais nos parece que os homens estão mais agressivos e mais conflituosos; compreender-se parece muito comprometedor e prefere-se permanecer no próprio eu, nos próprios interesses. Nesta situação, podemos encontrar e viver aquela unidade da qual temos necessidade?

A narração de Pentecostes nos Atos dos Apóstolos (2, 1-11) contém um panorama da antiga história da construção da Torre de Babel. Mas o que é Babel? É a descrição de um reino no qual os homens concentraram tanto poder que pensaram que já não precisavam mais de Deus e, deste modo, eram tão fortes que podiam construir sozinhos um caminho que leva ao céu para abrir as suas portas e pôr-se no lugar de Deus. Mas, precisamente nesta situação, verifica-se algo anormal e singular. Enquanto os homens estavam a trabalhar juntos, construindo a torre, repentinamente deram-se conta de que estavam a construir um contra o outro. Enquanto tentavam ser como Deus, corriam o perigo de nem sequer ser mais humanos, porque tinham perdido um elemento fundamental do ser “pessoas humanas”: a capacidade de se aproximarem, de se compreenderem e de trabalhar juntos.

Esta narração bíblica possui uma verdade perene; podemos vê-la ao longo da história, mas também no nosso mundo. Com o progresso da ciência e da técnica, alcançamos o poder de dominar forças da natureza, de manipular os elementos, chegando quase ao próprio ser humano. Nesta situação, rezar a Deus parece algo superado, inútil, porque nós próprios podemos construir e realizar tudo o que queremos. Mas não percebemos que estamos a viver a mesma experiência de Babel. É verdade, multiplicamos as possibilidades de comunicar, de obter informações, de transmitir notícias, mas podemos dizer que aumentou a capacidade de nos compreendermos ou, paradoxalmente, entendemo-nos cada vez menos? Entre os homens não paira desconfiança, suspeita, receio recíproco, até nos tornarmos inclusive perigosos uns para os outros? Voltemos, então, à pergunta inicial: Pode haver unidade, concórdia? E como?

Encontramos a resposta na Sagrada Escritura: Só pode haver unidade com o dom do Espírito de Deus, o qual nos dará um coração novo e uma língua nova, uma capacidade nova de comunicar. E foi isto que se verificou em Pentecostes. Naquele dia, um vento impetuoso soprou sobre Jerusalém e a chama do Espírito Santo desceu sobre os discípulos reunidos, pousou sobre cada um e acendeu neles o fogo divino do amor, capaz de transformar. O receio desapareceu, o coração sentiu uma nova força, as línguas soltaram-se e começaram a falar com franqueza, de modo que todos pudessem compreender o anúncio de Jesus Cristo morto e ressuscitado. Em Pentecostes, onde havia divisão e indiferença, surgiram unidade e compreensão.

Mas olhemos para o Evangelho da Festa de Pentecostes, no qual Jesus afirma: “Quando vier o Espírito da Verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total” (Jo 16, 13). Aqui, Jesus, falando do Espírito Santo, explica-nos o que é a Igreja e como ela deve viver para ser ela mesma, para ser o lugar da unidade e da comunhão na Verdade: diz-nos que agir como cristãos significa não nos fecharmos no próprio “eu”, mas orientarmo-nos para o todo: significa acolher em nós mesmos a Igreja inteira ou, ainda melhor, deixar que ela nos acolha interiormente. Então, quando eu falo, penso, ajo como cristão, não o faço fechando-me no meu “eu”, mas faço-o sempre no todo e a partir do todo: assim, o Espírito Santo, Espírito de unidade e de verdade, pode continuar a ressoar nos corações e nas mentes das pessoas e estimulá-las a encontrar-se e a aceitar-se umas às outras. O Espírito, precisamente pelo fato de agir desta forma, introduz-nos em toda a verdade, que é Jesus, guia-nos no seu aprofundamento e compreensão: não crescemos no conhecimento fechando-nos no nosso “eu”, mas unicamente tornando-nos capazes de ouvir e partilhar, só no “nós” da Igreja, com uma atitude de profunda humildade interior. E desta forma torna-se mais claro por que motivo Babel é Babel e Pentecostes é Pentecostes. Onde os homens pretendem tornar-se Deus, podem unicamente pôr-se uns contra os outros. Ao contrário, onde estão na verdade do Senhor, abrem-se à ação do seu Espírito que os ampara e une.

Somos chamados a viver segundo o Espírito de unidade e de verdade; por isto, temos que rezar para que o Espírito Santo nos ilumine e guie para vencermos o fascínio de seguir as “nossas verdades” e acolhermos a “verdade de Jesus Cristo transmitida na Igreja”.

Dom Félix
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