No momento de arrefecimento do ecumenismo, quando o empenho e os esforços ecumênicos se arrastam e os projetos de poder das Igrejas Cristãs se sobrepõem aos mais resilientes sonhos de unidade dos fiéis, grupos e instituições, urge com mais vigor o cultivo de uma espiritualidade ecumênica. Por que uma espiritualidade? Não seriam melhores e mais promissoras as outras vias do ecumenismo: da ação, dos encontros institucionais e dos intercâmbios teológicos? Escolhe-se a espiritualidade pela razão de ela ser a dimensão fundamental na vida de uma pessoa ou religião, sem a qual nenhum outro caminho se sustenta. Decorrente das atitudes, práticas e convicções da pessoa em seu ser no mundo, a espiritualidade abrange a fé, a prática da piedade e a conduta na vida. Articula-se na interseção de dois mundos: o de cima, obra do Espírito Santo, e o de baixo, representado pelas condições humanas e pelas circunstâncias da existência cristã. Significa propriamente um estilo de vida conduzido pelo Espírito. Apesar de sua força, seria ingênuo – como muitos pretendem – contrapô-la à fé eclesial ou à religião instituída, com o argumento de que a doutrina divide e a espiritualidade une.
Justamente por ser veículo de emoções e visões culturais de mundo específicas, pode a espiritualidade mesma ser causa de rupturas. As experiências de rupturas e divisões no passado e no presente do cristianismo não têm por trás de si apenas elementos políticos, teológicos e culturais, também espiritualidades segredadas, alienadas e exclusivistas. Portanto, não basta simplesmente reclamar, de maneira geral, uma espiritualidade como caminho de aproximação da verdade cristã. É necessário, com frequência, se perguntar: que espiritualidade cultivar?
A partir das revisões dos modos de viver a fé cristã, levados a cabo pelas Igrejas Cristãs em suas dinâmicas evangelizadoras rivalizantes e concorrenciais, emergiu a espiritualidade ecumênica com o propósito de recuperar o cerne da mensagem de unidade de Jesus “Que todos sejam um” (Jo 17,21) e oferecê-la como antídoto a um cristianismo faccionista e esfacelado. Para se contrapor às espiritualidades fechadas, resultantes da intolerância e da obstinação, a espiritualidade ecumênica decidiu ter como ponto de partida não os aspectos salientadores das diferenças entre as Igrejas Cristãs, e sim aqueles que são comuns. Partir das experiências comuns contribui significativamente para alimentar a empatia espiritual, condição necessária para compreender e conviver com as diferenças das diversas Igrejas cristãs e suas práticas. Tal iniciativa requer uma sensibilidade ancorada na paciência, tolerância, respeito, boa vontade e, sobretudo, no amor (1Cor 13,4-6). Não basta com isso pensar que a espiritualidade ecumênica seja solução para todos os conflitos e crises ecumênicas. Espiritualidades estão sujeitas a excessos, inadequações, incongruências, alienações e superficialidades. Quais devem ser, portanto, os critérios fundamentais de uma espiritualidade ecumênica?
A espiritualidade ecumênica deve assentar-se, entre outros, sobre três critérios basilares: bíblico, cristológico e eclesiológico. O primeiro consiste em ser modelada pela Bíblia, para que a ação do Espírito Santo seja compreendida numa perspectiva universal, como Espírito de Deus, manifesto aos profetas, presente na criação, Espírito criador que enche a terra (Sb 1,7; 7,22-28). A recuperação bíblica da ação do Espírito permite compreendê-lo para além dos muros das Igrejas ou do seu recolhimento intimista e privado à subjetividade. Como ressaltava o teólogo José Comblin, a ação do Espírito é sempre ad extra, dá-se no mundo e na história. O segundo critério fundamental da espiritualidade ecumênica é cristológico e tem a função de salvaguardar a singularidade e a universalidade do significado salvífico de Jesus Cristo. Pois, conforme o Novo Testamento, Jesus é a criatura do Espírito (Lc 1,35; Mt 1,18.20), descido nele em seu batismo (Mc 1,9-11), toda a sua obra na terra carrega a marca do Espírito (Lc 4,14.18; 10,21; 11,20), sua ressurreição ocorre pelo poder do Espírito (Rm 1,3), e pelo poder do Espírito encontra-se presente na Igreja e no mundo, “O Senhor é o Espírito” (2Cor 3,17). Conforme Paulo, o Espírito é Espírito de Cristo (Rm 8,9; Fl 1,19), Espírito do Senhor (2or 3,17), Espírito do Filho (Gl 4,6). A obra do Espírito realiza-se em Jesus Cristo e na sua Igreja. Por último, o terceiro critério da espiritualidade ecumênica é eclesiológico, significa uma espiritualidade da comunidade de fé em Jesus. O Espírito é dado para a edificação da Igreja, templo do Espírito (1Cor 3,16-17; 2Cor 2,16; Ef 2,21), que concede dons para o serviço e a comunhão (1Cor 12,4-30). De acordo com o critério eclesiológico, a busca da unidade como uma experiência espiritual não pode ser um empenho individual, mas possui um caráter eclesial: “o Espírito nos conduz à verdade integral; ele cura as feridas de nossas divisões e nos provê com a plena catolicidade” (Walter Kasper). O cultivo de uma espiritualidade ecumênica é fundamental para manter viva a chama do desejo de comunhão da fé cristã e de todo empenho ecumênico.