No segundo relato da criação (Gn 2), o homem, colocado no centro do jardim, é descrito como “ser vivo”, à semelhança dos demais animais. Contudo, sua origem é singular, resultado do pó da terra e do sopro divino, que lhe insufla o “alento da vida”, distinguindo-o dos outros seres no ato criador. Segundo a teologia bíblica, essa é a criação do ser em sua totalidade: carne, alma e espírito.
A carne simboliza tanto o parentesco quanto a condição de fragilidade humana. Deus o molda a partir da terra (que significa solo fértil e virgem) como o escultor que trabalha a argila. Essa terra se torna verdadeiramente humana ao receber o sopro vital nas narinas, tão essencial, que se identifica com a própria vida. A ausência de chuva e de um guardião para o Éden explica a falta de vida vegetal e animal e torna necessária a criação do ser humano. Por sua vez, este ser individual aguarda por uma companheira adequada, pois, se faltava a água para a terra, também falta a mulher para o homem.
Por sua vez, o sopro de Deus não é uma alma imortal e independente do corpo, mas a vida frágil e essencial concedida por Deus, retirada conforme sua vontade. A alma representa o centro vital do ser humano, sua personalidade. No contexto de Gn 2, a pessoa está formada em sua integralidade e, por meio desse termo, reafirma a unidade substancial em uma estrutura dialógica, como expressão de abertura filial a Deus.
Ao longo desta reflexão, torna-se evidente que a grandeza humana não pode ser limitada à materialidade, à alma ou às capacidades intelectivas. O valor intrínseco da pessoa, conforme revelado pelas Escrituras, encontra-se na totalidade do seu ser humano, homem e mulher, em igualdade e reciprocidade afetiva, transcendendo todas as distinções. Essa plenitude se expressa na composição ontológica que faz a humanidade imbuída de elementos divinos e, portanto, sagrados. Desta forma, cada indivíduo, singularmente desejado por Deus, é objeto de seu amor e de estima infinita.
(4ª parte da sequência de reflexões sobre o tema “A Dignidade Humana sob o olhar de Deus”).