“E o Senhor pôs um sinal em Caim” (Gn 4,15): o rompimento da fraternidade
Após o relato da desobediência dos primeiros pais, o livro de Gênesis nos apresenta o assassinato de Abel por Caim, ilustrando a deterioração da fraternidade e a introdução do conflito humano. A graça da liberdade e da comunhão com Deus e entre si, concedida a Adão e Eva, era um dom destinado a ser transmitido aos descendentes. No entanto, a culpa pessoal dos primeiros pais conturbou esse dom divino, o que culminou na expulsão do Éden. Em seguida, em Gn 4, surgem Caim, o agricultor, e Abel, o pastor. A relação entre os irmãos insere a complexidade da convivência e a dificuldade em reconhecer, a si mesmo e ao próximo, como dons divinos.
Caim e Abel protagonizam o primeiro exemplo de rivalidade na Bíblia, onde a fraternidade cede ao ódio. A oferta sincera de Abel é aceita por Deus, enquanto a de Caim é rejeitada, revelando sua má intenção oculta e sua incompreensão da fé (Gn 4,3-4): Caim quer se relacionar com Deus, mas não com seu irmão, Abel, dissimulando seu desejo de assassiná-lo (Gn 4,8). Neste sentido, Jesus exorta os seus discípulos: “primeiro reconcilia-te com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta” (Mt 5,23-24).
Deus, percebendo o desconforto de Caim, intervém com uma advertência e um convite ao arrependimento: “Por que estás irritado? Por que se transtornou o teu rosto? Se agires bem, não serás aceito? Mas, se não agires bem, o pecado espreitará à tua porta. Ele te deseja, mas tu deves dominá-lo” (Gn 4,6-7). O pecado desumaniza, mas ao homem é dada a capacidade de resistir e de superá-lo. Este episódio evidencia a responsabilidade pessoal e a faculdade do indivíduo de escolher entre o bem e o mal. A Gaudium et Spes (31) ensina que a pessoa humana só encontra o verdadeiro sentido da responsabilidade, quando toma consciência de sua própria dignidade e responde ao chamado para servir a Deus e aos irmãos. Ao ceder às facilidades da vida e se enclausurar numa “solidão dourada”, a liberdade do homem se enfraquece, conduzindo-o à extrema miséria e degradação.
(7ª parte da sequência de reflexões sobre o tema “A Dignidade Humana sob o olhar de Deus”).