Mesmo em sua irritação cega e em seu desejo de se ocultar de Deus, Caim não é abandonado pelo Criador que, em sua infinita misericórdia, acredita na capacidade de Caim vencer o pecado. No entanto, a recusa à redenção divina se concretiza na violência contra Abel, visto por Caim como obstáculo, não como dom divino. Ao ser confrontado por Deus, sua resposta – “Acaso sou o guarda de meu irmão?” – revela sua alienação e o pecado que o afasta da comunhão fraterna. Nesse contexto, a Gaudium et Spes enfatiza que as perturbações sociais “nascem do egoísmo e do orgulho que pervertem o ambiente social” (25). Fatalmente, sem a graça divina, a humanidade não pode superar os incitamentos do pecado que afetam tanto o indivíduo quanto a comunidade.
Apesar do malfeito, Deus, marcando-o com um sinal, protege Caim para que não seja morto, gesto da misericórdia divina diante do pecado. Assim, em Caim, apesar da gravidade de seu ato, são sublinhadas a inalienável dignidade humana e a temperança da justiça divina pela graça, enfatizando que, mesmo após a queda, a misericórdia de Deus permanece acessível a todos.
A reflexão teológica sobre a natureza do dom e da reciprocidade inerentes ao ser humano implica em sua grandeza e em seu chamado à comunhão. Ela também evidencia o enfraquecimento da capacidade de ser fraterno e de doar-se ao outro, assim como a perda da visão original de reciprocidade e mutualidade. Além disso, a ruptura inicial do relacionamento entre Deus e os primeiros pais afeta profundamente a percepção sobre si mesmo e sobre o outro, gerando uma tendência à autossuficiência, à inveja e à violência. A morte de Abel simboliza, portanto, a quebra da fraternidade e a prevalência do egoísmo, que distorcem a autoimagem humana.
(8ª parte da sequência de reflexões sobre o tema “A Dignidade Humana sob o olhar de Deus”).