Jesus viu: a humanidade olhada por Jesus (Lc 22,61)
O Evangelho segundo Lucas é a primeira parte de uma obra em dois volumes, seguida pelo livro dos Atos dos Apóstolos (Lc 1,1-4; At 1,1-2). Atribui-se a autoria dessa obra a Lucas, “o querido médico” e colaborador de Paulo (Cl 4,14; Fm 24; 2Tm 4,11). Escrito por volta da década de 80 d.C., o texto se destina às igrejas do mundo greco-romano. Lucas narra a história teológica em três épocas: a promessa (AT) (Lc 1,35), o cumprimento em Jesus (NT) (Lc 4,21) e o anúncio pela Igreja (At 1,1-2), todas vividas sob a ação do Espírito Santo. Desse modo, a narrativa revela Cristo como o Messias misericordioso que traz salvação e proclama o “ano da graça do Senhor” (Lc 4,16-21).
A ação divina é expressa pelos termos “misericórdia” e “compaixão” que, em hebraico, podem significar: amor materno profundo, amor fiel e graça divina. Em grego, denota o sentimento de misericórdia ou a sua manifestação.
A palavra “coração”, em grego, significa “agir com compaixão” ou “agir com misericórdia”. Os evangelistas Marcos e Mateus o usam apenas para Jesus, refletindo seu sentimento messiânico. Lucas o emprega três vezes em contextos de perigo de vida, destacando, assim, que a compaixão demanda ações concretas para restaurar a vida alheia. Em todas essas passagens, o verbo “ver” precede a compaixão: Jesus vê a viúva de Naim (7,13), o samaritano vê o homem ferido (10,33) e o pai vê o filho pródigo (15,20), sendo movidos de compaixão.
Em Lucas, a alegria é forte expressão resultante da ação misericordiosa de Deus em favor de seu povo, principalmente quando alguém se deixa encontrar por Deus e celebra a festa da salvação, tal como cantado por Simeão: “Porque meus olhos viram a tua salvação” (2,29). Além da alegria resultante da conversão, é importante entender que Jesus salva do pecado (7,50), do maligno (8,36) e da morte (8,50), cumprindo sua missão de “buscar e salvar o que estava perdido” (19,10). Essa salvação, que é um dom, implica também um compromisso de vida pelas exigências do seguimento de Jesus, a renúncia “a tudo o que se possui” (14,33) e o tomar a cruz de cada dia (9,23).
(9ª parte da sequência de reflexões sobre o tema “A Dignidade Humana sob o olhar de Deus”).