Não é muito difícil encontrar interpretações da Bíblia centradas exclusivamente na busca de saúde física e satisfação afetiva e, sobretudo, na prosperidade material; tudo isso justificado por uma atitude de troca com Deus, que deve se manter fiel ao ser humano, que lhe entrega seu tudo, a oferta da viúva. Essa perspectiva, presente também em alguns círculos católicos, fere o amor gratuito de Deus, que faz chover igualmente sobre todos, merecedores ou não. Geralmente, essa proposta é vinculada à ideia de bênção divina presente no Antigo Testamento, distanciando-se da ética e da teologia da Cruz assumidas por Jesus Cristo.
Certamente, saúde, amor e dinheiro são coisas importantes na vida das pessoas. Deus quer que toda pessoa viva saudável, feliz, com dignidade, se sustente com o suor honesto do seu trabalho e se empenhe por uma sociedade onde haja condições de vida digna para todos. Essa, portanto, é uma ideia distorcida de tudo que a Palavra de Deus nos quer transmitir, pois torna o Deus da Palavra uma espécie de marionete nas mãos de quem, pela atitude de troca, se considera fiel e apto a exigir benefícios de Deus.
Essa atitude não gera pertença a uma comunidade, estimulando até mesmo a contínua migração religiosa, em busca de maiores facilidades, onde quer que estejam. A religião passa a ser vista como uma espécie de loja, onde as pessoas indicam o que querem e o funcionário, no caso, o próprio Deus, as atende desde que, como bons consumidores, arquem com os custos. A noção de vida eterna cai por terra; a centralidade da pregação está no ser humano, que nem precisa preocupar-se com conversão. Manipulando-se a Palavra de Deus, busca-se, na “Igreja”, o que não se vai levar quando se partir dessa vida. Ecoa, assim, em nossos ouvidos as advertências de Jesus na parábola de Lázaro e do rico epulão, ou no episódio do homem rico, ou suas orientações sobre o tipo de tesouro que deve ser acumulado.
O esquecimento dos irmãos e irmãs mais fragilizados se traduz na indiferença em relação aos pobres e sofredores. Como essa é uma atitude oposta a tudo que a Bíblia ensina, é importante que nos perguntemos como é possível que alguém, tendo contato com a Bíblia, seja capaz de praticar a indiferença e mesmo a violência. A resposta inicial nós a conhecemos: o pecado, agindo em nós, é capaz de tudo, inclusive de nos levar a compreensões da Palavra de Deus que estão em oposição com a misericórdia e a bondade do Deus da Palavra. Por isso é tão importante ter atenção diante das mensagens e das leituras individualistas e consumistas da Bíblia, ou seja, compreensões que levam a pensar só em si mesmo e no aumento do patrimônio. Por certo, o misericordioso Deus da Palavra ama a todos e não quer o sofrimento nem a penúria de ninguém. A certeza desse amor não nos pode levar, entretanto, a leituras egoístas e interesseiras da Palavra de Deus.
A forte relação entre o contato com a Palavra de Deus e o sucesso – seja ele econômico, patrimonial, afetivo ou de saúde – pode chegar ao ponto de não se permitir a correta compreensão da Cruz e do Cristo Crucificado por amor. Não se trata de usar a Palavra de Deus para justificar o sofrimento, mas de não perceber que ela nos estimula a acolher a própria Cruz e a ajudar os irmãos e irmãs a carregarem as suas, como Simão Cireneu. Quem retira a Cruz da pregação da Palavra acaba por retirar Aquele que, por amor até o extremo, acolheu a morte de Cruz.
A própria Palavra de Deus nos adverte a respeito de quem a usa para o enriquecimento. Fingindo piedade, há pessoas, como Ananias e Safira, que enganam a comunidade. Seu Deus parece ser outro que não o misericordioso Pai de Jesus Cristo. Por compreenderem o Deus da Palavra e a Palavra de Deus como fonte de benefícios pessoais, não geram misericórdia nem contribuem para a santa indignação diante da pobreza e da violência. Tornam-se, na verdade, promotores da indiferença, ainda que prometam libertação e sucesso. Sob a forma de uma palavra de vida, geram uma palavra de ilusão e morte. Esquecem-se de que o Evangelho de Cristo é graça de Deus e que a salvação foi distribuída de graça para todos. Deixam a forte impressão de que estão tentando pregar outro Evangelho que não o trazido por Jesus.
Recorre-se à Palavra de Deus para fundamentar e alimentar uma mentalidade individualista e consumista, não havendo lugar para a solidariedade e para a compaixão, pois, para essa compreensão, o pobre é um fracassado, alguém que não recebeu a bênção divina. Quando, pois, se pensa que Deus deve exclusivamente suprir as necessidades materiais das pessoas, acionado mediante a contrapartida financeira do fiel e a sua oração exigente, esquece-se o que a própria Palavra de Deus ensinou: “o Reino de Deus não é comida e bebida, mas é justiça e paz e alegria no Espírito Santo. Quem serve assim a Cristo, agrada a Deus e é estimado pelos homens”.