Em se tratando de vida humana, de sua dignidade e do direito de preservá-la, a Igreja Católica é uma autoridade incontestável no assunto, pois é considerada como uma perita em humanidade (Paulo VI, Populorum Progressio, n. 13).
Na História Universal, desde muito tempo, a Pena de Morte é “um meio de garantir a justiça e a paz” em muitos povos e civilizações. Os códigos das monarquias e dinastias eram um meio para a organização social e a manutenção do poder do monarca. Na sociedade grega a leitura antropológica e “estatolátrica” (o Estado com poder absoluto sobre as pessoas) prevalecia, fortalecendo cada vez mais o legalismo. Com o emergir da Sociedade Romana e do Direito Romano, o pragmatismo jurídico influencia diretamente no rigorismo das XII Tabuas, que por sua vez, foi uma cópia perfeita da Lei de Talião. No mundo Árabe, o Alcorão, por convicções religiosas, aplica a pena até os tempos atuais. Em síntese, todas essas realidades aplicavam a Pena de Morte por motivos diversos como: desvio moral, sexual, administrativo, religioso, intelectual, econômico, verbal, físico e de etiqueta. Esses desvios geravam uma motivação para eliminar o suposto “mal cometido”, neste caso, com a Pena Capital.
O advento cristão proporcionou uma nova mentalidade. Jesus toma a Lei Mosaica dando-lhe um significado muito mais amplo e profundo. Embora essa nomenclatura não fosse própria do contexto de Jesus, é possível perceber na sua mensagem e na sua ação um personalismo refinado, pois Ele eleva o valor da pessoa sobre a sociedade, um valor que transcenda o puro legalismo. “Para Cristo, o delinquente é um ser que precisa ser redimido e conquistado para a vida eterna e que não pode ser destruído em sua vida terrena por descaso de outros seres humanos”.
O pressuposto teológico sempre afirmou três teses contra a Pena de Morte: primeiro, a vida é dom de Deus e só Ele pode julgar; segundo, o extermínio do sujeito impossibilita a reabilitação do mesmo; e o terceiro, é uma imoralidade instrumentalizar a pessoa como dissuasão (uma forma de controle social) para outros. Essas teses foram também afirmadas pelo movimento abolicionista episcopal que, por sua vez, rebatiam a ideia que a Pena de Morte causasse intimidação (ausência de reincidência) e reparação (compensar o mal cometido). “Torna-se paradoxal que o Estado não consiga encontrar outra maneira de proteger a vida dos cidadãos a não ser matando a alguns deles. Desta forma, a única coisa que o Estado oferece é o péssimo exemplo de violência”. Os bispos alertam também que a única compensação que poderia gerar por aceitar a Pena Capital é a vingança, o que, por sua vez, geraria mais violência e desordem social.
Ainda em 1982, havia uma “fresta”, por parte do Magistério da Igreja, em afirmar a validade do Estado aplicar a Pena Capital em casos extremos. Um caso concreto foi a promulgação do Catecismo da Igreja Católica na sua Edição Típica Vaticana neste mesmo ano pela Comissão de Elaboração do Novo Catecismo pedido pelo Concílio Vaticano II. O coordenador era o Cardeal Joseph Ratzinger (Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé) que fora fortemente questionado pela imprensa e por alguns teólogos: Qual seria a fundamentação para tal afirmação e o desencontro entre aprovação da Pena de Morte e a defesa da dignidade humana.
O Cardeal Ratzinger responde que o posicionamento doutrinal do Magistério foi em estreita continuidade com o que afirmava a Tradição. Embora a Pena de Morte estivesse fadada ao fracasso em pouco tempo, foi necessário reafirmar a legítima autoridade do Estado por causa do contexto no qual estavam latente os casos de extrema gravidade, causando grandes conflitos e ameaçando a paz social.
Atualmente, no Pontificado do Papa Francisco, houve um grande avanço por parte da Igreja a respeito da abolição da Pena de Morte. Em 23 de outubro de 2014 o Papa teve um encontro com a Delegação da Associação Internacional de Direito Penal. Nesta ocasião ele já frisava a necessidade de o Estado começar a pensar na abolição de tal pena, pelo fato de gerar sérias consequências e de sua inviabilidade em reabilitar o delinquente. Ele alertou também sobre as Penas de Mortes escondidas (disfarçadas) que acontecem em todo o planeta.
Já em 17 de dezembro de 2018 ele faz um discurso à Delegação da Comissão Internacional Contra a Pena de Morte recordando a importância da “luta por uma justiça mais humana” e pela efetivação do “amor social como chave para o desenvolvimento autentico”. No último dia 04 outubro de 2020, o Papa assina sua mais nova Encíclica Social, como afirma o próprio, denominada Fratelli Tutti, que por sua vez busca enfatizar e promover cada vez mais a fraternidade e a amizade social, no respeito à vida e negando cada vez mais a guerra e a indiferença globalizada. Exorta ele:
“Há outra maneira de eliminar o outro, não destinada aos países, mas às pessoas: é a pena de morte. São João Paulo II declarou, de forma clara e firme, que a mesma é inadequada no plano moral e já não é necessária no plano penal. Não é possível pensar num recuo relativamente a esta posição. Hoje, afirmamos com clareza que ‘a pena de morte é inadmissível’ e que a Igreja se compromete decididamente a propor que seja abolida em todo o mundo” (FT 263).
“No Novo Testamento, ao mesmo tempo que se pede aos indivíduos para não fazerem justiça por si próprios (cf. Rm 12, 19), reconhece-se a necessidade de as autoridades imporem penas àqueles que praticam o mal (cf. Rm 13, 4; 1 Pd 2, 14). Com efeito, ‘a vida em comum, estruturada em volta de comunidades organizadas, precisa de regras de convivência cuja livre violação exige uma resposta adequada’. Isto implica que a autoridade pública legítima possa e deva ‘infligir penas proporcionadas à gravidade dos delitos’ e que se garanta ao poder judiciário’ a necessária independência no âmbito da lei” (FT 264).