Amar é “deixar-se amar”, como as mulheres da Páscoa, como o discípulo amado, como todos os que amaram a Jesus e se deixaram amar por Ele e com Ele, sem outro exercício que o continuar amando, cientes de que “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos” (Jo 15, 13).
Por isso, a mensagem mais profunda de Jesus, segundo o evangelista João, se expressa no amor fraterno, vivido na forma de amizade. Não é apenas amor ao inimigo, nem é tampouco amor esponsal. É amor de irmãos que se tornam amigos. Neste manifesto de amizade culmina o Evangelho, entendido, por fim, como “escola de amor”, porque só quem ama e é amado pode assumir em presteza a tarefa da vida, cumprindo assim o “mandamento do amor”, “amor ágape”, gratuito, impulso que faz “sair de si mesmo”.
Esta revelação do amor fraterno é o dom supremo de Jesus à sua nova comunidade; a identidade dela não está na organização burocrática, na doutrina, nos ritos…, mas em deixar-se conduzir pelo “movimento de amor”. Toda comunidade que descobre esse amor sabe que não precisa de autoridades externas, hierarquias sacrais, obediências cegas.
Por quê? Porque não há mais imposição de uns sobre outros, mas apenas comunhão de amigos. Essa mesma comunhão é a autoridade, a presença do Espírito Santo. As mediações ministeriais são, portanto, secundárias. Podem mudar as formas de organização eclesial, as ações concretas da comunidade, mas permanece a verdade como liberdade e a autoridade como amor mútuo que vincula os seguidores e as seguidoras de Jesus.
Sem amor não é possível dar passos para um Cristianismo mais aberto, cordial, alegre, simples e amável, onde possamos viver como “amigos” de Jesus. Não saberemos como ativar a alegria de viver; sem a dinâmica do seguimento amoroso, continuaremos cultivando uma religião triste, centrada no legalismo, no ritualismo estéril que alimenta culpas, ressentimentos, medos e um mal-estar constante.
Jesus não veio complicar a vida com uma sobrecarga de normas, leis, ritos, doutrinas…; veio recuperar o essencial: basta amar. Diz São João da Cruz: “na tarde da vida seremos examinados no amor”.
A vivência radical do amor, que está disposto a perder tudo por quem ama, é o que em definitivo ajuda a ativar a alegria, a fazê-la crescer e compartilhá-la sem recompensa alguma. Jesus fala aos discípulos dessa alegria precisamente quando sua vida se precipita em direção à entrega na paixão, não por um desencanto da vida, mas por amor apaixonado à existência que o Deus da vida nos presenteia. Só a paixão do amor faz coexistir, em um mesmo fogo que os funde em uma união indissolúvel, a dor e a alegria, o amor à vida e o risco de perdê-la, o amor aos amigos e a coragem de deixá-los, as perseguições dos inimigos e a audácia para morrer por eles.
Dom Félix
Fonte: Artigo “A Amizade com Jesus na Palavra e na Eucaristia” (33ª Parte).