“Jesus viu sentado ao balcão um coletor de impostos, por nome Levi, e disse-lhe: segue-me!” (Lc 5,27). É Jesus verdadeiramente o Senhor: chama quem quer e seu chamamento é tão poderoso que desapega um coletor de seus negócios, talvez nem sempre honestos, para fazer dele um discípulo, aliás, um apóstolo, um dos doze: Mateus. E aquele homem que se sente chamado não tem um momento de incerteza, mas, “deixando tudo, levantou-se e o seguiu” (Lc 5,28). Os coletores, pela ambição de lucro, pelos exagerados tributos que impunha ao povo, eram considerados pecadores públicos e, portanto, repelidos por todos. Mas Jesus segue outra conduta: é o Salvador; vai à procura de quem necessita de salvação e lha oferece; aliás, oferece vocação privilegiada justamente a um coletor. E a quem se escandaliza ao ver-lhe à mesa em casa de Mateus, entre muitos outros coletores, diz Jesus: “vim chamar à conversão não os justos, mas os pecadores”.
O chamado à conversão produziu em Mateus grande fruto: uma conversão radical que o transformou de coletor em apóstolo. Sempre, mais de modo particular durante a quaresma, continua a Igreja, como Jesus, a chamar os homens à penitência (SC 9). A resposta de cada um deveria ser semelhante à de Levi: não hesitar ante a necessidade de mudar mentalidade e conduta; não temer deixar coisas, hábitos, pessoas queridas ou interesses vantajosos, quando forem obstáculo à conversão ou impedirem de responder plenamente ao chamado de Deus. “Só fazendo morrer o que é velho, diz o Concílio, podemos atingir a vida nova” (AG 8).
A penitência, no seu significado essencial, exige sempre mudança de vida: do pecado à virtude, da mediocridade ao fervor, do fervor à santidade. Esta mudança interior não se pode realizar sem o auxílio divino: mas o Senhor não é avaro, enquanto chama o homem à penitência, oferece-lhe a graça necessária para converter-se.
“Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste dará boas coisas aos que lhe pedirem” (Mt 7,11). Entre as coisas boas que pode o cristão pedir a Deus, estão, em primeira linha, a conversão e a libertação do pecado. Pode acontecer também à pessoa dedicada ao serviço de Deus, que lute penosamente para se libertar de certas misérias nunca perfeitamente vencidas e sempre renascentes; ou se encontrem em situações que ameacem transformar promessas feitas a Deus, propósitos e anseios de santidade. É que não rezam o bastante, não recorrem a Deus com plena confiança; não pedem, não procuram, não batem, como quer o Evangelho, “pois quem pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate se abrirá” (Mt 7,8).
“Se a pessoa má renuncia a todos os seus erros para praticar as minhas leis, então viverá decerto, e não há de perecer. Se um justo abandonar sua justiça, se praticar o mal, deverá morrer, por causa da sua infidelidade atual” (Ez 18,21.24). Assim fala Deus por Ezequiel. Enquanto que, aos pecadores que se convertem Deus assegura a salvação, aos justos que abandonam o caminho reto ameaça com a perdição. Se tamanho é o valor da conversão que anula todos os pecados cometidos, não menor é o dano da inconstância no bem, que pode destruir uma vida inteira de boas obras.
Dom Félix
Fonte: Artigo “A Amizade com Jesus na Palavra e na Eucaristia” (25ª Parte).