Ninguém pode estar seguro. “Quem pensa estar de pé, veja que não caia” (1Cor 10,12). Mesmo quem vive atualmente em estado de graça, e talvez professe vida perfeita, jamais pode desistir da vigilância. E cumpre evitar não só os pecados graves, mas também os pecados veniais. O assim chamado “pecado venial” é sempre ofensa a Deus; opõem-se a caridade, se não a destrói, a esfria; diminui-lhe o ardor, enfraquece-a e lhe impede o desenvolvimento. O pecado venial não rompe a amizade com Deus, mas a põe em sério perigo, quando cometido habitualmente e de olhos abertos. Não raro é o caso de pessoas que, depois de se terem dado a Deus, com sincero fervor, com o correr do tempo, cedendo ao egoísmo, a preguiça e a outras paixões, não sabendo esforçar-se generosamente para vencer-se, vão caindo em contínuas negligências, indolências, omissões voluntárias. Sua vida espiritual reduz-se a uma espécie de letargia que ainda não é a morte, mas já não tem o frescor e o vigor de uma vida sã e robusta. Perdeu-se enfim o fervor da caridade.
Santa Teresa de Jesus, pondo-nos de sobreaviso contra semelhante estado, ensina: “quando não sentirdes desgosto por uma falta cometida, temeis sempre, porque o pecado, mesmo venial, deve compungir-vos de dor até ao íntimo da alma Por amor de Deus, vigiai atentamente, a fim de não cometerdes jamais um só pecado venial, por pequeno que seja. Mas que pode haver de pequeno, sendo ofensa contra tão grande Majestade?”
Bem diferentes são os pecados veniais que nos escapam, cometidos por fragilidade ou inadvertência. O homem não queria ceder, de maneira alguma, mas porque é ainda fraco, cai, no momento da tentação, sobretudo se é apanhado de surpresa. Todavia, logo que percebe, sente uma dor sincera, arrepende-se imediatamente, pede perdão ao Senhor, levanta-se e põe-se de novo a caminho. Tais pecados não causam grande dano à alma, são antes indícios de sua fraqueza e falta de maturidade espiritual. Todavia, se, diante de tais quedas, sabe o homem se humilhar sinceramente, pode alcançar grande vantagem, particularmente uma consciência mais profunda da própria miséria, que o levará a desconfiar totalmente de si, para pôr em Deus toda sua confiança. Experimentará, na prática, a profunda realidade das palavras de Jesus: “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Não é raro que o Senhor permite semelhantes quedas, exatamente para dar ao homem consciência prática de seu nada, e firmá-lo seriamente na humildade, base de toda vida espiritual.
“Pai, pequei, já não sou digno de ser chamado teu filho” (Lc 15,21). “Que Deus é como vós, que apaga a iniquidade, que não se ira para sempre, porque prefere a misericórdia” assim louva Miqueias ao Senhor e lhe suplica: “uma vez mais, tende piedade de nós, esquecei as nossas faltas e jogai nossos pecados nas profundezas do mar” (Mq 7,18-19). A oração dos antigos revela concepção profunda da misericórdia de Deus; todavia, posteriormente, aprofunda o Evangelho e a comenta de modo mais expressivo, com a parábola do pai misericordioso e do filho pródigo.
Demonstra a parábola que, quando o homem está sinceramente arrependido dos pecados, mesmo se forem gravíssimos, abandono da casa paterna, vida dissoluta, impiedade e desprezo de toda lei, Deus os destrói e esquece, como coisas que se calca aos pés ou se lança ao fundo do mar. Criou Deus o homem livre; e quando este, como o filho pródigo, com um gesto de independência e rebeldia, afasta-se d’Ele para ir gozar da vida a seu talante, não o obriga ao bem, não o detém a força, mas o espera, continuando a amá-lo. Como o pai da parábola, assim que o percebe de volta na estrada, corre-lhe ao encontro; aliás, faz mais: até previne o regresso suscitando-lhe no coração remorso e arrependimento, efeito de sua graça.
Quando, cedendo o pecador ao impulso interior, resolve mudar de vida, abre-se a humildade e sincera confissão do pecado, logo o acolhe Deus e lhe faz festa! Restitui-lhe os direitos de filho, reveste de graça e o readmite à sua amizade: “Esse meu filho estava morto e reviveu” (Lc 15,24). Alegra-se Deus com a vida do homem, alegra de vê-lo passar da morte do pecado para a vida da graça, alegra-se de vê-lo voltar ao seu amor, única fonte de vida e de alegria.
Dom Félix
Fonte: Artigo “A Amizade com Jesus na Palavra e na Eucaristia” (26ª Parte).