Cuidar da vida é percorrer pelos caminhos da ética e, considerando que a ética cristã tem cumprido um importante lugar na construção dos sistemas de vida ao longo da história, podemos afirmar que este cuidado com a vida tem que passar pela dimensão da ética, da espiritualidade, da ecologia, da economia e da política em profunda sintonia entre si.
Podemos afirmar, sem dúvida, que a ética nasce do coração, da pessoa em sua totalidade, em todos os seus relacionamentos, pois o coração é o lugar da habitação do divino, e por isso é a residência do amor. É nele que a divindade deposita seus segredos, que nos informa sobre o bem e o mal, e é a partir dele, que estabelecemos relações com os outros, que sejam capazes de se transformarem em uma ética de responsabilidade.
A responsabilidade revela o caráter ético da pessoa. Ela escuta os apelos da realidade ao seu redor, aos ditames da consciência, da divindade que o habita, do coração e o torna capaz de oferecer uma resposta qualificada, que não é uma mera resposta fácil e irrefletida, mas fruto de reflexão e investigação sobre o que é mais justo, necessário e possível, bem como o que convém ser feito em cada situação da vida, sempre para a promoção do bem comum.
Responsabilidade tem a ver com a obediência à voz da consciência e ao princípio da realidade, que nasce do discernimento, da escuta, do diálogo, da valorização e do respeito a todas as formas de vida, dos sentimentos e necessidades do outro, considerando sua história pessoal e coletiva.
Tornar-se uma pessoa eticamente responsável é tarefa extremamente trabalhosa e perseverante, que pressupõe tanto a humildade de acolher, quanto a coragem sincera de rejeitar as muitas ofertas enganadoras e traiçoeiras que lhes são apresentadas a todo tempo, em benefício próprio e para seu deleite pessoal, sobretudo em tempo de eleições.
A responsabilidade nasce desta capacidade de resposta sincera e refletida, que se transforma em ações concretas, que sejam solidárias e fraternas com as pessoas, sobretudo os pobres e excluídos, protegendo a natureza, a vida, o meio ambiente, a Terra e a vida social de seu município, renovando a esperança e a dignidade das pessoas. Matar a esperança das pessoas e na criação divina é matar a própria vida. A responsabilidade ética supõe um compromisso sincero com a verdade, a justiça e o bem estar coletivo, o bem comum.
Avancemos conscientes de que somos pedreiros, não mestres de obra. Assim afirma São Oscar Romero:
De vez em quando, dar um passo atrás nos ajuda a tomar uma perspectiva melhor, o Reino não está além de nossos esforços, se não dentro, mas além de nossa visão. Durante nossa vida, só realizamos uma minúscula parte dessa magnífica empreitada que é a obra de Deus. Cada parte do que fazemos está sempre inacabada. O que significa que o Reino está sempre diante de nós.
Nenhuma declaração diz tudo o que poderia dizer. Nenhuma oração pode expressar plenamente nossa fé, nenhuma confissão traz a perfeição, nenhuma visita pastoral traz a integridade. Nenhum programa realiza a missão da Igreja. Em nenhum esquema de metas e objetivos inclui o todo. Isso é o que tentamos fazer: plantamos sementes que um dia crescerão.
Regamos sementes já plantadas sabendo que são promessas de futuro. Construímos bases que necessitarão um maior desenvolvimento. Os efeitos dos fermentos que proporcionamos vão além de nossas possibilidades.
Não podemos fazê-lo tudo hoje, ao dar-nos conta dele, sentimos uma certa libertação. Ele nos capacita a fazer algo, e a fazê-lo muito bem. Pode ser que seja incompleto, porém, é um princípio, um passo no caminho, uma ocasião para que entre a graça do Senhor e faça o resto. É possível que não vejamos nunca os resultados finais, porém essa é a diferença entre o mestre de obras e o pedreiro. Somos pedreiros, não mestres de obra, ministros, não Messias. Somos profetas de um futuro que não é nosso. Amém!
Nestas eleições municipais, nas quais decidiremos nosso futuro, o poeta Mário Lago tem algo a nos ensinar com seu poema: Os campos da minha terra. Os campos da minha terra têm trigo e têm algodão. Os homens pobres da minha terra não têm cobertor quando faz frio, morrem pedindo um pouco de pão. Os campos da minha terra têm gado de carne boa, têm vacas de leite bom. Os homens da minha terra sabem que o gado tem carne boa, mas custa caro, comem pirão. As crianças pobres da minha terra sabem que as vacas têm leite bom, mas custa caro, crescem doentes ou morrem fracas sem nunca terem provado se o leite é bom. Os campos da minha terra têm árvores que parecem braços que estão segurando os céus, tão grandes são. Os homens da minha terra moram em casas de barro e taipa, não têm madeira para seu teto, nem sua cama, nem sua mesa. E comem, sentam, dormem no chão. Os homens pobres da minha terra morrem de frio quando faz frio, pois não têm lenha para seu fogão. Os campos da minha terra têm rios e têm cascatas, que dão para matar a sede de todos os desertos. E energia para iluminar os quatro cantos do mundo. Os homens pobres da minha terra vivem à margem daqueles rios. Moram à beira dessas cascatas. Mas não têm luz no seu barracão. Os campos da minha terra têm tudo que os outros campos das outras terras terão. Os homens pobres da minha terra são como os pobres das outras terras – Não têm nada! Mas terão!
Os que assumem a política assumem a responsabilidade com o bem comum, que só será concretizado no cuidado para com todos, mas, sobretudo, para com aqueles que não têm quem cuide deles, os pobres e o meio ambiente. Deixar de lado o cuidado é violar aquilo que há de mais sagrado na vida social, o direito a uma vida digna para todos. Votar é confiar a alguns o poder de zelar pelo que é de todos, assumindo corresponsavelmente nossa postura ética. Daí a necessidade da ética na política, que é o princípio do constrangimento, capaz de colocar limites aos impulsos egoístas que insistem em dominar e mover nossas ações.
Pe. Nelito Dornelas