(Adaptação do Discurso do Papa Francisco à Cúria Romana)
Amados irmãos padres e diáconos,
Nos próximos dias teremos a alegria de celebrar a Páscoa do Senhor, o Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, que é a máxima manifestação do amor de Deus que não se limita a dar-nos algo, mas doa-se a si mesmo.
Em primeiro lugar, desejo-lhes uma Santa e Feliz Páscoa. Desejo agradecer-lhes cordialmente pelo seu compromisso quotidiano a serviço da Igreja Diocesana de Governador Valadares.
Convido-os a erguermos juntos ao Senhor uma prece de ação de graças por todas as bênçãos que o Deus da Vida nos tem concedido a cada dia de nossa vida. Convido-os também a pedimos-lhe humildemente perdão pelas faltas que cometemos “por pensamentos, palavras, obras e omissões”.
E, partindo deste pedido de perdão, quero que esta minha reflexão se torne, para todos nós, apoio e estímulo a um verdadeiro exame de consciência a fim de preparar o nosso coração para bem celebrarmos a Páscoa do Senhor.
Aproveitando o Discurso do Papa Francisco à Cúria Romana, vamos refletiu sobre a imagem da Igreja como Corpo místico de Cristo, pois “como o corpo é um todo com muitos membros e todos seus membros, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo” (1 Cor 12, 12).
Neste sentido, o Concílio Vaticano II lembra-nos que “na edificação do Corpo de Cristo há diversidade de membros e de funções. Um só é o Espírito que, para utilidade da Igreja, distribui os seus vários dons segundo as suas riquezas e as necessidades dos ministérios (1Cor 12, 1-11)”. Por isto “Cristo e a Igreja formam o “Cristo total”. A Igreja é una com Cristo.
É belo pensar no Clero Diocesano como sendo um pequeno modelo da Igreja, ou seja, um “Corpo” que procura séria e quotidianamente ser mais vivo, mais sadio, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com Cristo.
Na realidade, o Clero Diocesano é um corpo complexo, composto de muitos membros, que não têm todos a mesma tarefa, mas são coordenados para um funcionamento eficaz, edificante, disciplinado e exemplar, apesar da diversidade de dons e de capacidades de cada um.
Em todo caso, sendo o Clero Diocesano um corpo dinâmico, não pode viver sem alimentar-se e sem cuidar de si mesmo. De fato, o Clero Diocesano – como parte da Igreja – não pode viver sem ter uma relação vital, pessoal, autêntica e sólida com Cristo. Um membro do Clero que não se alimenta diariamente com aquele Alimento tornar-se-á um mero empregado: um ramo que seca e é lançado fora. A oração diária, a celebração assídua da Eucaristia e da Confissão, o contato freqüente com a Palavra de Deus e a espiritualidade traduzida em caridade vivida são o alimento vital para cada um de nós. Que todos nós tenhamos bem claro que sem Ele nada poderemos fazer (Jo 15, 8).
Em conseqüência, esta relação viva com Deus alimenta e fortalece também a comunhão com os outros, ou seja, quanto mais estivermos intimamente unidos a Deus tanto mais estaremos unidos entre nós, porque o Espírito de Deus une e o espírito do maligno divide.
O Clero Diocesano está chamado a melhorar-se sempre e a crescer em comunhão, santidade e sabedoria, a fim de realizar plenamente a sua missão. No entanto, ele, como todo corpo, está exposto também às doenças, ao mau funcionamento, à enfermidade. E aqui gostaria de mencionar algumas destas prováveis doenças, doenças clericais. São doenças mais costumeiras na nossa vida de Clero. São doenças e tentações que enfraquecem o nosso serviço ao Senhor.
1. A doença do sentir-se imortal e indispensável, pondo de lado os controles necessários e habituais. Um Clero que não faz autocrítica, que não se atualiza, que não procura melhorar é um corpo enfermo. É a doença do rico insensato que pensava viver eternamente e também daqueles que se transformam em senhores e se sentem superiores a todos e não estão a serviço de ninguém.
2. A doença do ativismo, dos que mergulham no trabalho, descuidando da melhor parte: sentar-se aos pés de Jesus. Por isto Jesus chamou seus discípulos para descansar um pouco, porque descuidar do descanso necessário leva ao estresse e à agitação. O tempo do descanso, para quem levou a termo a sua missão, é necessário, obrigatório e deve ser lavado a sério: no passar um pouco de tempo com os familiares e no respeitar as férias como momentos de recarga espiritual e física; é necessário aprender o que ensina o sábio do Eclesiástico que para tudo há um tempo.
3. A doença da petrificação mental e espiritual, ou seja, daqueles que possuem um coração de pedra e são cabeça dura; daqueles que, com o passar do tempo, perdem a serenidade interior, a vivacidade, a audácia e escondem-se atrás das folhas de papel, tornando-se “máquinas de práticas” e não pessoas de Deus. É perigoso perder a sensibilidade humana necessária que nos faz chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram! É a doença dos que perdem os sentimentos de Jesus porque seu coração, com o passar do tempo, endurece e torna-se incapaz de amar incondicionalmente a Deus e o próximo. Ser cristão, com efeito, significa ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, sentimentos de humildade e doação, de desapego e generosidade.
4. A doença da planificação excessiva e do funcionalismo. Quando o Clero planifica tudo minuciosamente e pensa que, fazendo uma perfeita planificação, as coisas efetivamente progridem, tornando-se, assim, um contador ou um negociante. Preparar bem tudo é necessário, mas sem jamais cair na tentação de querer controlar a liberdade do Espírito Santo, que é sempre maior, mais generosa do que toda a planificação humana. Na realidade, a Igreja mostra-se fiel ao Espírito Santo na medida em que não tem a pretensão de regulamentá-lo e de domesticá-lo.
5. A doença da má coordenação. Quando os membros perdem a comunhão entre si e o corpo perde a sua funcionalidade harmoniosa, porque os seus membros não cooperam e não vivem o espírito de comunhão e de equipe. Quando o pé diz ao braço: “não preciso de ti”, ou a mão diz à cabeça: “quem manda sou eu”, causando, assim, mal-estar ou escândalo.
6. A doença do “alzheimer espiritual”, ou seja, o esquecimento da “história da salvação”, da história pessoal com o Senhor, do “primeiro amor”. Trata-se de uma perda progressiva das faculdades espirituais que com o passar do tempo causa graves deficiências à pessoa, tornando-a incapaz de exercer algumas atividades autônomas, vivendo num estado de absoluta dependência das próprias visões, muitas vezes imaginárias. É o que vemos naqueles que perderam a memória do seu encontro com o Senhor; naqueles que não têm o sentido da vida; naqueles que dependem completamente do seu presente, das suas paixões, caprichos e manias; naqueles que constroem em torno de si mesmos barreiras e hábitos, tornando-se, sempre mais, escravos dos ídolos que esculpiram com as suas próprias mãos.
7. A doença da rivalidade e da vanglória. Quando a aparência, as cores das vestes e as insígnias de honra se tornam o objetivo primordial da vida, esquecendo as palavras de São Paulo: “Nada façais por espírito de partido ou vanglória, mas que a humildade vos ensine a considerar os outros superiores a vós mesmos. Cada qual tenha em vista não os seus próprios interesses, mas os dos outros” (Fl 2, 1-4). É a doença que nos leva a ser pessoas falsas e a vivermos um falso “misticismo”. São Paulo os define como “inimigos da Cruz de Cristo”, porque “se envaidecem da própria ignomínia e só têm prazer no que é terreno” (Fl 3, 19).
8. A doença da “esquizofrenia existencial”. É a doença dos que vivem uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre, uma doença que atinge freqüentemente aqueles que, abandonando o serviço pastoral, se limitam aos afazeres burocráticos, perdendo, assim, o contato com a realidade, com as pessoas concretas. Criam, assim, um seu mundo paralelo, onde colocam à parte tudo o que ensinam severamente aos outros e começam a viver uma vida oculta e muitas vezes dissoluta. A conversão é urgente e indispensável para esta gravíssima doença (Lc 15, 11-32).
9. A doença das fofocas e dos mexericos. É uma doença grave, que começa apenas na troca de duas palavras e se apodera da pessoa, transformando-a em “semeadora de cizânia”, e em tantos casos “homicida a sangue frio” da fama dos seus colegas. É a doença das pessoas covardes que, não tendo a coragem de falar diretamente, falam pelas costas. Paulo nos adverte: “Fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes” (Fl 2, 14-18).
10. A doença do divinizar os chefes. É a doença dos que cortejam os Superiores, esperando obter a benevolência deles. São vítimas do carreirismo e do oportunismo, honrando as pessoas e não a Deus. São pessoas que vivem o serviço, pensando exclusivamente no que devem obter e não no que devem dar. Pessoas mesquinhas, infelizes e inspiradas só pelo seu próprio egoísmo. Esta doença pode atingir também os Superiores, quando cortejam alguns dos seus colaboradores para obter sua submissão, lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma verdadeira cumplicidade.
11. A doença da indiferença para com os outros. Quando alguém pensa somente em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando o mais capacitado não põe seu conhecimento a serviço dos colegas menos capacitados. Quando se chega ao conhecimento de algo e o esconde para si, ao invés de partilhar positivamente com os outros. Quando, por ciúme ou por astúcia, se sente alegria ao ver o outro cair, ao invés de erguê-lo e encorajá-lo.
12. A doença da cara fúnebre. Quer dizer, das pessoas grosseiras e sisudas que pensam que, para ser sérias, é necessário assumir as feições de melancolia, de severidade e tratar os outros – sobretudo os que elas consideram inferiores – com rigidez, dureza e arrogância. Na realidade, a severidade teatral e o pessimismo estéril são muitas vezes sintomas de medo e de insegurança. O cristão deve esforçar-se por ser uma pessoa amável, serena e alegre, que transmite alegria por toda parte onde quer que se encontre. Um coração repleto de Deus é um coração feliz que irradia e contagia de alegria todos os que estão à sua volta. Não percamos, portanto, aquele espírito jovial, cheio de humor, que nos faz rir da própria desgraça, que nos torna pessoas amáveis, mesmo nas situações difíceis. Quanto bem nos faz uma boa dose de sadio humorismo!
13. A doença de acumular. Quando o Clero procura preencher um vazio existencial no seu coração, acumulando bens materiais, não por necessidade, mas só para sentir-se seguro. Na realidade, nada de material poderemos levar conosco, porque todos os nossos tesouros terrenos jamais poderão preencher aquele vazio; pelo contrário, torná-lo-ão cada vez mais exigente e mais profundo.
14. A doença dos círculos fechados onde a pertença ao grupinho se torna mais forte do que a pertença ao Corpo e, em algumas situações, ao próprio Cristo. Também esta doença começa por boas intenções, mas com o passar do tempo, escraviza os membros, tornando-se um câncer que ameaça a harmonia do Corpo e causa tanto mal – escândalos – especialmente aos nossos irmãos menores. A autodestruição ou o “fogo amigo” é o perigo mais sorrateiro. É o mal que atinge a partir de dentro; e, como diz Cristo, “todo o reino dividido contra si mesmo será destruído” (Lc 11, 17).
15. A doença dos exibicionismos, quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder e o seu poder em mercadoria para obter dividendos humanos ou mais poder; é a doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar poderes e, com esta finalidade, são capazes de caluniar e difamar os outros, até nos jornais e nas revistas, para se exibirem e se demonstrarem mais capazes do que os outros. Também esta doença faz muito mal ao Corpo porque leva as pessoas a justificar o uso de todo meio, contanto que atinja seu objetivo, muitas vezes em nome da justiça e da transparência!
Meus irmãos, estas doenças e tais tentações são naturalmente um perigo para todo cristão e para todo o Clero, Comunidade, Congregação, Paróquia, Movimento Eclesial e podem atingir quer em nível individual quer em nível comunitário.
É necessário esclarecer que só o Espírito Santo, que é a alma do Corpo Místico de Cristo, pode curar todas essas doenças. É o Espírito que sustenta todo o esforço sincero de conversão. É Ele que nos faz compreender que todo o membro participa da santificação do Corpo ou do seu enfraquecimento. A cura é também resultado da consciência da doença e da decisão pessoal e comunitária de tratar-se, suportando pacientemente e com perseverança a terapia necessária.
Somos chamados, portanto, a viver “pela prática sincera da caridade, crescendo em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo. É por Ele que todo o Corpo – coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria – realiza esse crescimento, visando à sua plena edificação no amor” (Ef 4, 15-16).