Por Padre Nelito Dornelas
No livro do Eclesiástico há um texto de profundo ensinamento sobre o que devemos aprender, observando a natureza e a saberia dos animais mais simples e menores. Assim diz o texto: “No mundo existem quatro seres pequeninos que são mais sábios do que os sábios: as formigas, povo fraco, mas que recolhe comida no verão; as ratazanas, povo sem força, mas que mora nas rochas; os gafanhotos, que não têm rei, mas avançam todos em ordem; as lagartixas, que se podem pegar com a mão, mas penetram até em palácios de rei”(Eclo 30, 24-28).
É por isso que realizamos neste 7 de setembro de 2017, o 23º Grito dos excluídos e excluídas, com o lema: “Por direitos e democracia a luta é todo dia”, chamando a atenção da sociedade para a urgência da organização e da luta popular frente ao cenário em que o país vive hoje, com retrocessos e desmonte do processo democrático e da perda iminente de direitos dos trabalhadores, conquistados a duras penas.
Essa triste situação se agrava ainda mais com a corrupção política, econômica e jurídica que se alastrou em quase todos os setores da sociedade brasileira, confirmando o que havia sido denunciado pelo Padre Antônio Vieira, em 1600, em sua obra denominada A arte da rapinagem. A certa altura afirma o religioso: o verbo rapere – roubar – está sendo conjugado no Brasil por todas as pessoas, em todos os tempos e de todos os modos.
Ao propor que a vida esteja em primeiro lugar, o Grito está em sintonia com o Papa Francisco, quando na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, A alegria do Evangelho, faz uso do termo “grito” para denunciar a situação de tantos seres humanos marcados pela pobreza e exclusão social: grito de pessoas e grito de povos inteiros. Afirma o papa: “A Igreja reconhece que a exigência de escutar este grito deriva da própria obra libertadora da graça em cada um de nós, por isso não se trata de uma missão reservada somente a alguns. A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e a destinação universal dos bens como realidade anterior à propriedade privada” (EG 188-9). E prossegue: “Às vezes se trata de escutar o grito de povos inteiros, dos povos mais pobres da terra, porque ‘a paz fundamenta-se não só sobre o respeito dos direitos humanos, mas também sobre os direitos dos povos’, como ensina a Doutrina Social da Igreja” (EG 190).
De fato, a Igreja não pode ficar indiferente a esse grito generalizado que se levanta do chão de tantos países e regiões, particularmente no mundo subdesenvolvido, bem como na periferia e nos porões da zona urbana. Grito tanto mais eloquente quanto mais silencioso ou silenciado, com frequência, essses gritos estão sufocados pelo medo e pela violência, estrangulando-o no fundo da garganta de muitas pessoas e povos, obrigando-os a engolir em seco e até mesmo a secarem as lágrimas de um sofrimento mudo, que parece não ter mais fim. É o que se passa hoje no Brasil.
Aprendamos, então, com as formigas, os ratos, os gafanhotos e as lagartixas para reconstruírmos o Brasil.
Mais de 200 pessoas participaram do grito em Governador Valadares neste 7 de setembro.
O grito faz parte da comemoração oficial do dia da pátria. Ele se deu juntamente com o desfile oficial e foi destacado como o bloco de número 21 dentro da temática em defesa do meio ambiente. Os organizadores do grito acrescentaram a defesa e promoção da vida com o lema: A vida em primeiro lugar. Nenhum direito a menos.