O Suicídio: A análise histórica de um tema deve ser contextualizada. O objetivo é ver sob a ótica da época, sem exigir de determinado tempo aquilo para o qual ele não tem instrumentais. O mesmo acontece com a reflexão de temas morais pelo Magistério da Igreja. A Igreja Católica segue o movimento histórico-reflexivo do mundo. Neste sentido, o suicídio é por ela compreendido e interpretado à luz do seu tempo.
Biblicamente, a vida é sempre um valor a ser preservado. O suicídio é colocado num lugar de suspeita, embora nem o Antigo e nem o Novo Testamente o proíbam ou condenem. Entretanto, frisam que só Deus pode conceder ou retirar a vida. As mortes de Abimelec (Jz 9,54); de Saul (1Sm 31,4); do escudeiro de Saul (1Sm 31,4-6); de Aquitofel (2Sm 17,23); de Zambri (1Re 16,18); de Razis (2Mc 14,41) e a de Judas Iscariotes (Mt 27,5) são os únicos casos de suicídio da literatura bíblica.
O suicídio nunca foi totalmente tolerado em uma cultura. Na Grécia Antiga, o suicídio costumava ser visto como bom e admirável. Estoicos e epicureus viam no suicídio uma solução para situações intoleráveis. Todavia, Sêneca condenava-o se apenas pelo desejo de morrer; Platão considerava-o insubordinação contra a divindade; Aristóteles, um ato vil contrário ao bem social.
No período patrístico, Santo Agostinho condenou o suicídio na obra De Civitate Dei, Livro I, tendo como ponto de partida o Quinto Mandamento da Lei de Deus: Não matarás! (Ex 20,13). Este posicionamento fundamental do cristianismo atravessará os séculos, contudo, num modo de compreensão gradativo.
Ao longo da Idade Média, muita superstição rondou o tema, em função do encontro do cristianismo com as religiões pagãs. Múltiplas formas de se pensar a morte geravam múltiplas teorias. No período escolástico, São Tomás de Aquino afirmou que o suicídio deve ser condenado por três razões: o suicídio é contrário à caridade do amor próprio; é uma ofensa à comunidade da qual se faz parte; é um pecado contra Deus, que dá a vida.
Na cristandade, o ideal punitivo do suicídio expandiu-se da Igreja para o Estado, sob modo exemplificação à toda a sociedade. Dentre as punições, estavam o confisco das propriedades do suicida, multa por parte da família e exposição do corpo à execração.
Na Idade Moderna, com o Concílio de Trento, tem-se a ratificação de tal condenação. O Catecismo Romano abrange a todos os homens a prerrogativa do Quinto Mandamento, que não tem por teor as palavras “não mates a outrem”, mas “não mates”. Mesmo com o pensamento das subjetividades ligadas ao conceito de liberdade e autonomia confiadas à responsabilidade do homem, advindo com o iluminismo, a Igreja não mudou seu posicionamento, punindo os suicidas com privação dos rituais fúnebres.
Já no século XX, em 1905, São Pio X, em seu Catecismo, reafirmará Trento na condenação e punição do suicida. O Código de Direito Canônico de 1917, do Papa Bento XV, nega sepultura eclesiástica, os ritos das exéquias, Missa por ocasião de aniversário de morte e outros ofícios fúnebres àqueles que, deliberadamente, se suicidaram.
O suicídio sempre foi tratado em sua dimensão subjetiva. Pune-se, reprova-se ou aprova-se o suicida. O ato em si, contudo, em sua dimensão objetiva, só passa a ser um tema especulado a partir do século XIX com o desenvolvimento de frentes científicas. O desenvolvimento de ciências sociais e da psiquê darão a tônica da discussão. Tal movimento é devedor das pesquisas de Émile Durkheim, Robert Gaupp e Sigmund Freud, por exemplo. O fenômeno passa a ser visto em seu sentido amplo e não mais estrito; não mais como um problema moral, mas também psíquico.
A partir destas reflexões, o Concílio Vaticano II inaugura um novo modo de reflexão teológica, passando do método dedutivo para o indutivo, com a Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Nela, o suicídio é condenado como infame e ofensivo à honra devida ao Criador, mas abre caminho para a reflexão posterior. Se antes, partia-se do Quinto Mandamento e se julgava o suicida, agora parte-se do suicídio, analisa-o com os instrumentais das ciências, e ilumina-o com o mesmo Mandamento. Não se muda o posicionamento a respeito do suicídio, mas passa-se a ver melhor e mais de perto o drama existencial do suicida.
O Código de Direito Canônico de 1983 não cita os suicidas entre aqueles a quem se deve conceder ou negar ofícios fúnebres e sepultura eclesiástica. O Catecismo da Igreja Católica de 1992, do Papa João Paulo II, reflete amplamente sobre a questão. Reafirma a inviolabilidade da vida; a honra devida ao Criador; o amor de si e os vínculos familiares e humanos. Mas avança na reflexão dos distúrbios psíquicos graves, angústia, medo de provação, sofrimento e tortura como atenuantes da responsabilidade do suicida. E adverte aqueles que apressadamente condenam à danação eterna os que se suicidaram, afirmando que não se deve desesperar da salvação destes, pois Deus age por caminhos que só Ele conhece. A Igreja ora pelas pessoas que se suicidaram.
O Magistério da Igreja avança em documentos que defendem a vida desde sua concepção ao seu fim natural. Em 2020, a Instrução Samaritanus Bonus reafirma o valor inviolável da vida como base da lei moral natural e fundamento essencial da ordem jurídica.
Permanece, pois, o posicionamento que condena o suicídio. Contudo, não se exclui, diminui ou relativiza o drama existencial e a saúde psíquica de quem chega no extremo do dano pessoal. A partir da Doutrina Católica, percebe-se que Deus julga a pessoa em sua totalidade e dignidade. Não cabe a ninguém fazer qualquer tipo de julgamento definitivo sobre as pessoas. É possível condenar o suicídio sem, contudo, condenar o suicida.