Ao longo da história do cristianismo, muitos foram os grandes mestres espirituais que traçaram o caminho da mística rumo à santidade. Quando se fala em mística, logo pensamos nestes modelos ideais e quase inatingíveis. Ainda paira sobre nós a ideia de que o místico é aquele arrancado do mundo e colocado num lugar à parte, enclausurado por muros, numa luta contínua contra o próprio corpo. Daí, quando se evoca o pensamento de Karl Rahner de que “o cristão do futuro ou será um místico ou nada será”, mistura-se em nós o desejo da fuga do mundo e o medo desta mesma fuga. Por isso, é preciso elaborar um projeto de espiritualidade para este tempo, para o frenesi da vida contemporânea com sua avalanche de informações. É preciso ser um místico hoje!
O cardeal Tolentino Mendonça, em sua obra A mística do instante, apresenta uma nova perspectiva deste caminho. Ressignificando a ideia de que parece haver pouco espaço para a espiritualidade no corpo, o cardeal-poeta busca quebrar tal dicotomia afirmando que o lugar em que melhor experimentamos o sopro do Espírito não pode ser outro senão o extremo da carne tornada vida. É no barro que contatamos o sopro. É através dos sentidos que nos abrimos à tangível passagem de Deus.
Vivemos, contudo, em tempos em que o excesso de informações e sensações levam os sentidos a serem aguçados com violência. Sentir o supérfluo e não o essencial tem sido o resultado dessa hipertrofia dos sentidos. Cores, aromas, sabores, texturas e sons em demasia invadem o corpo e levam à perda do sentido essencial: aquele que brota do coração. É preciso retornar aos sentidos. É preciso reaprender a sentir.
Assim sendo, retornar à audição é o caminho para uma possível Mística da Escuta. Isso porque há mais que uma escuta com os ouvidos: só se ouve bem com o coração. Com os ouvidos captamos os rumores do mundo externo, o ruído, as vozes… Contudo, quando se fala da escuta desinteressada do outro, da escuta dos sons mais profundos que o Eterno nos dirige, notamos que há um outro nível de escuta que está para além do simples ouvir. A Mística da Escuta deve perpassar os caminhos da apreciação do essencial.
Ao longo das próximas edições do Jornal Folha da Boa Nova, apresentaremos pistas reflexivas deste itinerário da Mística da Escuta. As reflexões partirão do pensamento do Cardeal Tolentino Mendonça; o pano de fundo será a Sagrada Escritura; alinhavaremos e costuraremos tudo isso com a poesia, a literatura, a filosofia e a teologia. Retornaremos à audição para nos encaminharmos melhor a nós mesmos, num movimento de interioridade que é justamente a noção mais a fim à ideia de mística.
Eudvanio Dias
(1º Artigo da série “Mística da Escuta”)