“Um semeador saiu a semear… a semente caiu…”
A semeadura, imagem pouco frequente na tradição bíblica, é sinal de esperança. Desde o Antigo Testamento ela indica a ação de Deus que, mais uma vez, volta a ocupar-se com seu povo. A imagem da semeadura ilustra que Deus, em grandes atenções, quer reconstruir a aliança com seus eleitos, após um período de crise da parte de Israel. Na parábola o semeador que, em atitude de saída, põe-se a semear, retrata os encantos renovados de Deus por seu povo pecador. Essa contínua semeadura indica que, mesmo nas mais angustiantes situações, Deus não está silencioso. Por isso, uma Igreja que se lança em saída para semear a Palavra, contribui para manter a esperança viva e ativa na história.
Podemos ficar com a impressão de que o semeador é indiferente ao tipo de solo no qual deve lançar a semente. Pode parecer que semear em chão duro, pedregoso, repleto de espinhos seja insensatez por parte do semeador. Na realidade tudo isso é coerente com a “paradoxal” lógica de Deus. Ele quer a Palavra semeada em toda a parte, de modo a fazê-la chegar a todos os ambientes, até nos espaços e contextos mais distintos e distantes. É isso que podemos deduzir da explícita delimitação e distinção dos solos: à beira do caminho, com os passarinhos a comer a semente; no chão pedregoso, símbolo do entusiasmo superficial, que não resiste às tribulações; no terreno cheio de espinhos, com a pouca terra e sol abrasador, com força para sufocar a semente. A precisão nos detalhes, incluindo os fracassos, aponta para as determinações vigorosas e abrangentes do semeador.
Talvez o leitor, ao se deparar com a parábola, surpreenda-se com tais critérios: o semeador faz a semente (da Palavra) cair em todos os tipos de solo. Todavia, aqui é preciso atinar para alguns importantes elementos narrativos. O leitor ainda nem passou do capítulo 13 e já vira que o próprio Jesus já se deparara com todos estes tipos negativos de “solo”. Basta um breve olhar para perceber. A semente caída na beira do caminho, logo consumida pelos passarinhos, faz lembrar da Palavra arrebatada pelo Maligno. Algo semelhante tentaram fazer os fariseus com Jesus: atribuíram ao chefe dos demônios a força que sustentava suas ações. Até já haviam decidido sobre como matar Jesus.
Quanto ao destino da semente caída em solo pedregoso, ou em meio a espinhos, os mesmos traços se podem vislumbrar nas palavras de Jesus acerca das cidades à beira do lago: Corazin, Betsaida, Cafarnaum. Elas foram muito agraciadas pela presença messiânica de Jesus. Mas não se arrependeram. Nelas a semente caiu, germinou, mas foi sufocada. Também na região dos gadarenos, pediram a Jesus que partisse dali. Ou seja, o leitor compreende a “lógica” da parábola sobre a Palavra a partir das ações e opções de Jesus. Ele, o Filho de Deus, levou a Palavra a todos os “solos”. E, para superar quaisquer dúvidas, e convidar os leitores de qualquer tempo a aderir a tais critérios, explicou a parábola aos discípulos. Já um pouco antes, na conclusão do relato parabólico, ele foi enfático: “Quem tiver ouvidos, ouça”.