A tortura foi um método muito utilizado no decorrer da história para se obter a confissão de atos criminosos, tida como um meio lícito de combate ao crime. Desse modo, a tortura, em suas diferentes formas – física, psíquica, moral e espiritual – é um dos crimes mais desdenhosos contra a dignidade e liberdade do ser humano, utilizado por diversos povos para controlar e subjugar seus membros, ou sendo justificada como meio necessário para se manter a segurança nacional.
A tortura e a pena de morte são, hoje, inadmissíveis pela Doutrina da Igreja Católica que as vê como práticas contrárias à dignidade humana. De modo geral, a consciência humana vem sendo iluminada para voltar o olhar para a dignidade da pessoa, que não deve ser desrespeitada, apesar dos erros que possa ter cometido.
A Igreja chama a atenção do Estado a fim de que se difunda uma nova compreensão do sentido das sanções penais. Assim, ao condenar a tortura, a Igreja não aceita que criminosos façam mal aos cidadãos, mas espera e deseja que o ato cometido possa ser, a partir de uma tomada de consciência, revertido em bem, ou seja, ao pagar a pena devida e passar por uma reeducação possa voltar ao seio da comunidade como um cidadão de bem, disposto a viver de modo reto. A busca por parte do Estado, de sistemas de detenção mais eficazes deve visar a garantia da indispensável defesa dos cidadãos.
O Catecismo da Igreja Católica nos diz que “a tortura, que usa a violência física ou moral para arrancar confissões, para castigar culpados, atemorizar opositores ou satisfazer ódios, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana” (2297).
Desde a Antiguidade são apresentados diferentes meios em que a tortura é utilizada, tendo em vista algum fim específico de uns sobre os outros, em que, por meio da imposição de dor física ou psíquica, busca-se a confissão, informação de algum ato criminoso ou por simples prazer em ver o outro sentir dor ao ser torturado.
Os relatos mais antigos em que aparecem a tortura aprovada é no Código de Hamumurabi, nas leis assírias e, dentro do universo bíblico, na Lei de Talião. Esta última prevê um castigo igual ao dano causado (cf. Ex 21,24).
O fato é que a prática da tortura produz sequelas inimagináveis na vida de quem é vítima desse mal, podendo desencadear vários tipos de doenças, sérias alterações na personalidade, desvios psíquicos e outros. As marcas físicas deixadas no corpo, com o passar do tempo desaparecem, mas ficam para sempre gravadas na lembrança. A tortura também deixa marcas inimagináveis em quem a pratica gerando um mal enorme que degrada a pessoa do torturador fazendo com que seja vítima de seu próprio ato – a violência deixa marca tanto na pessoa que sofre como naquele que pratica. É preciso se fazer respeitar a imagem de Deus, estampada na pessoa humana que é sempre única! Dessa forma a tortura se configura como um crime bárbaro contra a pessoa humana.
São João Paulo II, na sua Carta Encíclica Evangelium Vitae, fala ao coração da humanidade sobre a importância do próprio corpo, na imagem de Jesus que se fez “médico do corpo e do espírito”. Ao enviar os seus discípulos em missão pede que façam a mesma coisa que Ele fez: anunciar a Boa-Nova e curar todas as feridas. Deve-se cuidar do próprio corpo e o dos nossos semelhantes. Desta forma, usar de força física, torturar, seja qual for o motivo, é um atentado ao corpo e assim um atentado à vida que é dom de Deus (EV 47).
O maior mandamento da Lei de Deus é sobre o Amor. Cada pessoa humana, experimentando o amor divino que chama para a vida, é convidada a amar e respeitar o outro do mesmo modo como Deus faz com todos. Dessa forma, agir com caridade é uma obrigação que foi imposta à humanidade: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10,27). “Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim é que fizestes” (Mt 25,40).
Tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador (GS 27).
Dado o exposto, conclui-se que a tortura física ou moral é uma violação contra a dignidade humana. A sua prática deve ser abolida, seja ela de qual tipo for. Não se pode esperar que o sangue de nossos irmãos manche nossas mãos e clame pela justiça divina (cf. Gn 4,10). Quem possui o direito sobre a vida e sobre a morte é somente Deus, que é o seu autor e fim último. Neste sentido, é preciso lutar para que se construa uma civilização do amor e a busca por uma cultura de solidariedade, fazendo com que o Reino de Deus aconteça já aqui na terra.